quarta-feira, 6 de setembro de 2017

A filha da Loba

José, um jovem professor de História, casou-se com Maria, e os dois tiveram uma filha. Stella nasceu forte, bonita e faminta, mas a mãe estava fraca, pálida e febril e mal podia amamentar a criança. Para grande tristeza, Maria morreu três dias depois. Stella estava órfã. Foi inicialmente amamentada com leite de vaca, que lhe fez muito mal a saúde. Provocava vômitos e diarreias, fosse o leite fervido ou cru. Tentaram alimentar com leite industrializado, empacotado, engarrafado e em pó, e o resultado foi o mesmo. Todos os tipos e marcas de leite foram testados. Nenhum deu bons resultados. O organismo da menina não aceitava leite de vaca. Recorreram ao leite de cabra, e ao de ovelha, que também não funcionaram. Apelaram depois ao leite de égua, igualmente rejeitado pelo organismo da menina. Contrataram uma ama de leite, mas a menina recusou seus seios. enganavam a fome da recém-nascida com chazinhos de camomila, capim-cheiroso, cidreira. Ela parava de chorar momentaneamente e dormia, mas logo acordava chorando de fome. Estava um trapinho, só pele e osso. temeram pelo pior.
No mesmo dia em que Stella nasceu, Loba, a cadela pastor alemão da família, um belo animal de pelagem preta, teve três cachorrinhos, fortes e espertos. Mas no terceiro dia eles morreram, ninguém soube dizer por quê. Loba andava pela casa à procura dos filhotes. Tinha as tetas cheias de leite, que escorria até o chão. Não tendo achado seus filhotes, Loba foi deitar-se debaixo do berço de Stella, que estava sendo alimentada, sem efeito visível, com soro aplicado na veia. Não houve quem tirasse a cadela dali. A qualquer tentativa de a expulsar do quarto, ela rosnava e mostrava os dentes. José sabia que a cachorra sofria e que tinha leite. Veio-lhe à mente a lenda dos fundadores do império romano. Num impulso, pôs Stella para mamar em Loba. Loba aceitou Stella mamando em suas tetas, e Stella aceitou o leite de Loba.
A cachorra foi definitivamente instalada no quarto, e a menina recuperou o vigor e logo começou a crescer e engordar. José acomodou as duas numa cama grande, mas não queria que a notícia se espalhasse. E antes que as coisas tomassem esse rumo, demitiu os empregados da casa e manteve a cadela escondia no quarto. Quando visitas vinham ver a menina, só a mostrava na sala, sem a cachorra, é claro. Depois Stella começo a comer papinhas e outros alimentos sólidos e José achou que já estava na hora do desmame. Mas quem disse que Loba deixava Stella? Quando o pai se aproximava para lhe tirar a menina, ela rosnava para ele feito fera e lhe mostrava os dentes, pronta para atacar. Se não tivesse a cachorra por perto, Stella não dormia e chorava chamando por ela. Só se aquietava quando sua cabecinha repousava na barriga da Loba. dormia com a cadela lambendo-lhe o rosto. O pai se desesperava com a cena, precisava por um fim naquilo tudo. Tentou, inutilmente, o possível e o impossível para separar as duas.Sem saber mais o que fazer, José acabou por mandar matar a Loba. A menina chorou a ausência de sua ama de leite, mas aos poucos se acostumou com a nova situação. Cresceu forte e sadia até tornar-se a moça mais bonita e cobiçada do lugar.
Boa moça, bem formada, pretendentes é o que não lhe faltava. Stella teve um único e grande amor e cedo se casou com ele. viveram felizes por um tempo e ainda mais felizes se tornaram quando Stella revelou ao marido e companheiro que em breve ele seria pai. Para o jovem casal, o mundo passou a girar em torno de uma espera cultivada com amor. Seria menino? Ou seria uma menina? Naquele tempo nenhum exame permitia antecipar o que o ventre escondia. tentavam adivinhar o sexo do bebê em marcas e sinais no corpo da mãe, na forma e no volume da barriga da grávida. pelos movimentos e chutes que a mae sentia havia quem jurasse que seriam gêmeos. Para o casal, era um motivo a mais de alegria.
Mas o nascimento revelou-se uma tragédia, só testemunhada pelo marido, pela parteira e por José, que se lembrou imediatamente da história de Loba, que julgava enterrada e completamente esquecida. o marido de Stella se desesperou. A mãe, porém, recebeu suas crias com carinho, com amor e alegria, como só as mães sabem fazer. Nasceram gêmeos, como se esperava, mas os gêmeos eram dois cachorrinhos. Tinham a raça e a cor de Loba e a mesma fome de Stella ao nascer. O marido e o pai de Stella, desnorteados tentaram afastar os cãezinhos do peito de Stella. Mas Stella se enfurecia. Protegendo suas crias, mostrava os dentes e rosnava e os morderia se eles não se afastassem da cama. O marido batia a cabeça na parede, se amaldiçoava. A parteira, num canto, assutada, rezava seu terço e pronunciava fórmulas de esconjuros e exorcismo. O marido saiu do quarto não querendo ver mais nada, tinha as feições de um louco, arrancava os cabelos. Logo se ouviu um tiro vindo de outro quarto. O infeliz consorte tirou a própria vida. não teve forças para enfrentar sua desgraça. "Um a menos para compartilhar o segredo horrível", pensou José. Outra testemunha era a chorosa parteira, e o pai de Stella tratou logo de afastá-la. Ela era uma mulher sozinha, parentes somente no Norte. Vivia dizendo que queria acabar seus dias lá. O pai de Stella resolveu atender os desejos da parteira e lhe propôs que ela voltasse para sua terra. Ele lhe pagaria a viagem e lhe daria uma pensão por toda a vida. O silêncio seria sua paga, e ela concordou. Teria que partir imediatamente. Ele a levou de carro até a pensão onde ela morava, ela acertou as contas, pegou suas poucas coisas e partiu sem dizer aonde ia. No caminho da rodoviária, pararam num banco, onde José abriu uma conta para a mulher e providenciou uma ordem de pagamento mensal e vitalícia. Deu-lhe um pouco de dinheiro para a viagem e a chegada, comprou o bilhete e a pôs no ônibus. Virou as costas e voltou para casa. Restava fazer o mais difícil: dar um fim nas crias malditas da filha adorada e depois fazê-la esquecer sua tragédia. Mas ele nada mais pôde fazer: ao voltar para casa, uma tempestade imprevista derrubou ma árvore que esmagou seu carro e tirou sua vida, sem que ele tivesse tempo sequer pra dizer adeus.
Sozinha em casa, Stella escondeu seus filhos. Ao saber da morte do marido e do pai e da partida apressada da parteira, tratou de cuidar de sua vida. Enterrou seus entes queridos, vendeu todas as propriedades da família e se mudou com os filhos para um lugar distante, onde uma nova estirpe de seres encantados povoaria, um dia, o imaginário popular.

Retirado do livro: Jogo de Escolhas de Reginaldo Prandi

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Sofrimento que causou sofrer

Quem sois vós almas desorientadas,
Que entraste na vida alheia,
E causaste tanta desolação.
Sofrimento é a fonte de seu prazer,
Desilusão, segurança de seu viver.
Implantastes em nossas vidas
De modo sorrateiro e serena,
Estragastes tudo de bom que pudera ocorrer;
Entretanto agora choras,
De arrependimento fajuto, amargo
Negro e vil.
Seu choro é um arrependimento doido
Que te mata a cada dia.
De soberba tentas sobreviver,
Contudo é de escuridão que vais viver.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Força

Ela não tem pressa para chegar
Mas em seus abraços quer me prender,
De encantos sussurrantes
A tristeza seus lindos dedos
Lançam pra mim.
Então me lembro,
Da essência do meu ser
Sou forja de ferreiro
Que de malhos potentes
Não deixei desvanecer.
Moldo o puro aço em brasa
Para um lindo florete renascer,
Cravejado das mais belas pedras
Para o coração da tristeza estremecer.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Pena em riste

Sentei-me com a pena em riste,
Procurando fazer um poema de amor,
Vivi um ato de esperança ilustre
Que com um piscar de olhos desmoronou.

Sentei-me com a pena em riste
Procurando fazer que tudo amenizasse a dor,
Me vi esquecido no ninho,
Que o lenhador com seu machado
Minha árvore maculou.

Sentei-me com a pena em riste
Tentando fazer de mim, um ator.
As máscaras que tinha não eram firmes,
E de meus olhos uma lágrima rolou..

Sentei-me com a pena triste
Tentando aliviar a dor;
De tristeza em mim consiste,
Sabiá majestosa em seu canto copiou.


terça-feira, 6 de janeiro de 2015

De pobres a reis

 Sempre soubera que a vida era difícil, contudo resolvi despir-me de minha coroa e viver entre os mansos de coração. Tal desprendimento não me custara, nada mais do que o desejo de minha própria alma, de me permitir, sentir as sensações da humildade. Me vestira como tal, para evitar qualquer discriminação entre o azul realeza de qual provinha minha essência, para aderir ao vermelho carmesim da humanidade.
Dava-me o direito de sentir as esperanças, os calores do sol, os ventos gélidos do inverno, os coloridos que me enchiam os olhos da primavera, mas, sobretudo aos tons enferrujados do outono. Dei a minha consciência a liberdade de se expressar, a necessidade de fustigar, acima de tudo a propriedade de absorver o mais divino que a humanidade têm, a capacidade de se renovar.
Provido de tamanhas sensações, soubera que a realeza me chamava. Podia ser o melhor das massas, a divindade da nobreza. O vermelho e o branco de meu manto não eram sinais de alegria, mas a forma humanizada de minha divinização na terra. Os dourados de minhas vestes tornaram-se referência de minha condição de riqueza pela vastidão que se passaria, o cetro na mão direita representava a ordem e a minha vontade de julgo e o globo estrelado em minha mão esquerda dizia de meu dever de governar. Contudo, era a coroa que mais pesava, seu estandarte estrelado e cravejados de pedras diziam a todos a minha soberanidade.
Governaria para todos e seria um rei por todos, mas percebi com o tempo que meu estandarte e meu cetro, afastavam de mim a humanidade que adquiria. Não era tratado como amigo ou conhecido, mas como alguém a ser temido.
Afastei-me da claridade e me vi na escuridão. Fiz julgamentos errados, acusações infames, vendi-me ao diabo em busca de mais poder.
Poder é algo fétido do qual me despojei. Vi com clareza o quão sujo me tonara e o quanto me afastara da divindade que me era concedida.
A era dos nobres acabou, findei meu reinado com tristeza e solidão. Puni-me para remediar as mazelas que causara. Me prendi as masmorras da escravidão.
Abri meus olhos e vi o sol, então soubera o sabor da liberdade.

sábado, 3 de janeiro de 2015

Têmpera Esperança



Quem na escuridão auspicia a luz?
Sombras atormentadoras ou anjos de luz?
Como posso, em tamanha fraqueza
Querer julgar o prenúncio divino.
Não são: claridade e escuridão,
Que determinam as ações
Do que são o bem e o mal.

Toda maldade se faz jus,
Quando se requer as ações do bem,
Porém nem todo bem é visto,
Com olhos admirados
Se não perante a presença do mal.

Visões são deturpadas por mentes
Sedentas de um auto-si enganoso.
Sementes são jogadas na roleta
E o Gran Royale necessita de despojos.

O que na escuridão auspicia a luz?
Sombras atormentadoras ou anjos de luz?
Dirá o velho pandit hindu:
Nem de sombras eternas, nem eternas de luz;
Apenas um fraco de alma, querendo,
Desejando ser um raio de luz.


sábado, 4 de outubro de 2014

Passos da Omissão


Estamos as vésperas das eleições e a cada dois anos ouvimos balelas que ainda corrompem ingênuos corações eleitorais. Poderia de fato ser uma verdade se não houvesse contrapesos nesta informação. O povo brasileiro sabe de suas necessidades, tanto individual, como coletiva, mas, coloca na penumbra o social. Vejo pessoas de bem se venderem como se nada tivesse acontecendo em sua volta, ou então, fingindo-se de morto, para receber louros infames. Ouso até pessoas saírem em defesa de grupos minorizados como verdadeiros salvas-pátrias, onde seus dilemas tornaram-se escadas para a chegada ao poder.
Poder é uma coisa fétida da qual o ser humano não tem controle, e a mínima parte que conseguem controlar, creem se tornar divindades ou controladores de vontades.
Lutamos para sermos livres e não dependermos de ninguém. Fingimos criar bases e alicerces para uma democracia, que imposta gera direitos a poucos e deveres para muitos. Nossas vidas perderam-se em estúpidas paradas e marchas infantes.
Sonhar é algo que me é permitido e que se submete unicamente a minha vontade. Não sou capaz de dizer a outrem o que deve ansiar ou querer, mas posso ser um mediador, usurpador ou influenciador de sonhos, e é nestes pontos que a política brasileira vem se apoiando. Criar apologias e falsas expectativas deveriam ser crimes e passíveis de morte.
Há alguns anos leis que deveriam combater os tais “bons políticos” com a Lei da Ficha Limpa, mas o que se observa são candidatos tão limpos como um pombal, usando nossos sonhos para atingirem seus ideais. Contudo o povo brasileiro não intervêm a tal insanidade e se veste de asininidade e deixa-se comandar por pseudos-loucos. E há a quem culpar? Claro que sim, a culpa é daqueles a quem damos a maior alforria com o título eleitoral.
Percebo que a campanha eleitora mais parece um concurso público, cuja avaliação está em nossas mãos. Talvez não sejamos bons avaliadores, já que a maioria da população não pensa no bem comum e sim em seu bem-estar. Ao passo que para os candidatos vale tudo para ganhar este emprego público, acharcar, avacalhar, denegrir, usar de falso testemunho, são as armas utilizadas para este ingresso no maior cargo público.
Faz anos que vejo pessoas indo às ruas reivindicando direitos, mas quando é a hora de mostrar sua verdadeira vontade, ela permanece escondida.
Não podemos dizer que somos vítimas, mas causadores de nossa própria dor, vendedores de nossa vontade e sonhos ao diabo em troca de míseros favores ou vantagens.